quinta-feira, novembro 18

A Ditadura do Proletariado

- Há 20 e tal anos, durante o PREC do 25 de Abril.

- No átrio da entrada principal da Sociedade Filarmónica.
- Diálogo a três, em que só dois se ouvem. O terceiro intervém por telepatia.
- Zé Machão, de pé encostado à coluna cilíndrica da porta da rua, mão no bolso, um olho no movimento da rua, outro na fisionomia do seu “mentor” (Xico Luís), que acompanha de lado a discussão do costume entre o ZM e o JR (O Freitas), sobre um tema polémico da actualidade de então – a relação patrões/empregados.
- ZM rebate com fervor as ideias do JR. A Revolução dos Cravos e o XL fizeram despertar nele um espírito esquerdista exacerbado, talvez reminiscências da juventude passada em terras de contestação mineira – Aljustrel.

ZM – oh! Quim, tu nem pareces um gajo da Porcalhota. Não percebo como é que tens essas ideias reaccionárias. A defender os patrões em vez de fazer a defesa da classe operária? Vai-te embora ò Freitas!
JR – Tu não percebes? Pois não, tu não percebes é coisa nenhuma, nada de nada! Não pensas, vais na onda da revolução - conquistas de esquerda, defesa da classe operária, “slogans”, chavões e mais nada...
Eu não sou das direitas. Sou é a favor dos direitos de uns e de outros. Vejo os dois lados e só digo que não concordo com algumas coisas, quanto a mim erradas, que se estão a fazer neste País.
ZM – Mas qual erradas, qual caraças, é tudo para bem do povo e o Pais é o Povo. Temos que defender a classe operária contra o poder do capital.
JR – E eu sou capitalista? Vivi na Panasqueira, minas de volfrâmio, terra de mineiros como a tua também e sei muito bem o que é trabalhar. Não andei no liceu até ao 5º ano como tu (és um privilegiado), porque lá não havia.
ZM – Já estou a perder a paciência contigo ò Freitas. Tu foste mentalizado pelas ideias dos padres no seminário onde andaste à escola. Por causa dessas coisas (padres e religião) é que continua a exploração do homem pelo homem.
JR – Pois foi no seminário que aprendi muitas coisas, Latim, Português, Lógica, Dialéctica mas principalmente aprendi a pensar por mim, a ter ideias próprias. Não aprendi lá essa coisa da exploração do homem pelo homem. Explica-me lá então o que entendes tu disso da exploração do homem pelo homem.
ZM – Então??? “Tá-se” mesmo a ver. Só tu é que não queres perceber, a exploração do homem pelo homem é… então aaam… umm… OH! CHICO, EXPLICA LÁ AQUI A ESTE GAJO, O QUE É A EXPLORAÇÃO DO HOMEM PELO HOMEM!
Cai o pano sobre a cena, caiem as convicções políticas do ZM e o meio sorriso do XL. Gargalhada geral do público seguida de retirada estratégica do XL e ZM em direcção a outro ambiente mais democrático, cujo nome agora não me lembro, mas que ficava numa cave lá para os lados do Bairro de Janeiro.

2 Comentários:

Anonymous Anónimo disse...

De facto o espisódio está + - bem contado, salvo que onde se lê EXPLORAÇÃO DO HOMEM PELO HOMEM, deve ler-se DITADURA DO PROLETARIADO.
Era essa a expressão que ele utilizava frequentemente e eu questionei.
Ah, g'anda Zé Machão! Hoje já deves estar do lado direito da via.
Quim

18/11/04, 18:44  
Blogger O Bicho disse...

Lamento, a minha memória pode estar já um bocado passada. Os pormenores são difíceis de descrever agora.
Tantas foram as voltas da (minha) vida desde esse tempo que procuro recordar.
Reinventei alguns pormenores do diálogo, mas o essencial está lá e posso assegurar que me ficou para sempre a lembrança dessa frase: "exploração-do-homem-pelo-homem". Mas se não foi essa, também serve.

18/11/04, 21:26  

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