segunda-feira, novembro 19

Carta de passeante 6


OITAVO - "O CHIADO"

Para um vulgar Domingo de Novembro, sem história, acho que o fim da tarde no Chiado, hoje até está bastante movimentado.
Na esplanada da Brasileira, há casais de todas as cores, saboreando o café nos derradeiros minutos de sol, em companhia dos seus amores.

Turistas falando outras línguas, fotografam-se mutuamente, subindo e descendo os degraus da escadaria da Igreja do Loreto.
Aos pés da estátua de Camões, há um improvisado coreto, onde tocam em concerto, os trombones, flautas, pífaros, fagotes e clarinetes da Banda da Guarda Nacional Republicana.
Um aglomerado de gente parou para escutar a “Cavalaria Rusticana” interrompendo por alguns minutos, o entusiasmo das compras para o Natal que se avizinha.

No largo, o homem das castanhas, com o seu avental de sarapilheira, lança uma mão cheia de sal para dentro do fogareiro – saltam as fagulhas das brasas espicaçadas.
A fumarada do assador, que contrasta com o azul-escuro do céu de fim do dia sem nuvens, enche o ar com recordações de aromas de outros Outonos distantes.
Uma aparelhagem sonora, arrasta uma cassete com uma cantiga brasileira de outros tempos: "Quem te ensinou a nadar? Foi o peixinho do mar; foi, foi marinheiro; foi os peixinho do mar..."

Na soleira de uma entrada da casa da "Sorte Grande", um cantor toca viola só para alegrar a gente - diz ele, que não precisa de esmola.
No passeio em frente, um artista de circo lança pelos ares as flâmulas do fogo vivo, que arde na ponta dos seus malabares.
Até uma bailarina de barriga nua, improvisa uma dança e rodopia no meio da rua, agitando o ventre e uma pandeireta.

A Livraria Bertrand está cheia a deitar por fora – há novidades: a última aventura do Harry Potter e um novo romance do Miguel Sousa Tavares.
Ali ao lado, num banquinho de lona sentado, o velho da concertina toca uma música há muito esquecida, pois desafina.

Com a bengala numa mão e na outra, o desgastado cofrezinho de madeira fechado a cadeado, um ceguinho encostado à parede, faz o seu apelo à solidariedade.
À porta da igreja, entoando uma espécie de lamúria, os imigrados Romenos na sua triste penúria, estendem a mão à caridade.

Abafado pelo toque dos sinos da Igreja do Sacramento ouve-se o tradicional pregão: “Quentes e boas! Dois euros, uma dúzia!” – até nem estão caras…
Os fiéis, à saída da concorrida missa da tarde, reconfortados espiritualmente, compram castanhas para aquecer as mãos e aconchegar o estômago, fazendo jus ao adágio “mens sana in corpore sano”.

E EU - já que vou por aqui, aproveito para cumprimentar o Pessoa. Dei-lhe uma palmadinha no bronze da perna. Senti de imediato a inspiração e... invadido pela poesia, escrevi:

Aqui estou eu, mais o meu pessoal,
no Chiado, ao balcão da Brasileira.
A fechar o fim-de-semana cultural,
vou beber um cafezinho à maneira.

2 Comentários:

Anonymous Anónimo disse...

Muito bem,gostei de saber que estás feliz e até consegues estar inspirado,um beijinho da Maria que tenho que tratar da Sofia que ainda aqui está.Beijinhos

19/11/07, 21:27  
Anonymous Anónimo disse...

A subir ou a descer
Ao Chiado eu quero ir
A sonhar ou a dormir
Também lá quero viver

19/11/07, 22:21  

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