quinta-feira, outubro 25

Carta de Passeante 4

Lisboa

SEPTIMO – “A CHUVA”

Pronto, afinal a chuva, foi, como soe dizer-se (olha a contradição) sol de pouca dura.
A quantidade de água das pingas esparsas nem deu para lavar as pedras da calçada das cuspidelas (as escarre... baahhh, um nojo) nem fez descolar as beatas de cigarro com que os javardolas costumam decorar os passeios públicos.
O melhor que conseguiu foi fazer escorrer pelas paredes abaixo, aquela espécie de papa mal cheirosa, resultante da mistura de caca de pombo com fuligem dos escapes, que está colada nos beirais das casas e monumentos.

O negro chão alcatroado das ruas da baixa, ficou coberto por uma densa espuma branco-sujo, flutuando à superfície da água da chuva que corre nas bermas e nas poças da água residual, percebem-se reflexos iridescentes, provocados pela emulsão da camada gordurosa que reveste o chão, uma combinação de resquícios de óleo e combustível (gasóleo) libertado pelos automóveis.

Agora, o sol desponta forte e brilhante - parece que puseram uma lente lá em cima no céu - fazendo arder os olhos e escaldar a cabeça. Dava jeito ter uns óculos escuros e um boné.
O ar aquece rapidamente e começa a fazer evaporar do chão e das paredes, toda a humidade, transportando para a atmosfera um intenso e estranho odor, resultado duma mistura de coisas que causam alguma irritação nas mucosas do nariz.

O Joca, saca então o lenço da algibeira para assoar o pingo do nariz; até parece que ficou constipado. Mas não. Nada disso, apesar do físico um tanto franzino, o nosso lingrinhas, não apanha um resfriado assim sem mais nem menos, com uma chuvinha de nada. É apenas uma reacção alérgica ao ar citadino, pouco apropriado para respirar.

Pois, ora aí está. A poluição é coisa estranha para o nosso amigo, turista acidental, ou melhor dizendo, turista ocidental, posto que ele vem das praias mais ocidentais da Europa, da zona Saloia.
O Jorge, está habituado a inspirar os aromas naturais que exalam da terra molhada, após a chuva, ou do manto de caruma que reveste o chão dos pinhais e da vegetação selvagem que desponta nas dunas à beira-mar.


Entretanto, no Rossio, a evaporação rápida deixa os restos de caca, que não foram diluídos ou dissolvidos, colados novamente, mas agora um pouco mais abaixo dos lugares onde estavam antes. O chão parece que fica ainda mais porco e escorregadio. Nos locais onde pululam os pombos, como na base do monumento de D. Pedro IV, os sapatos quase que ficam colados ao chão.
Quem tira partido disto, são os vadios que aproveitam para raspar com uma naifa, a pedra da base da estátua, recolhendo uma porção da camada de caca amolecida pela chuva, para misturar nas doses de haxixe que depois vão vender aos incautos consumidores de pedras de ache.

"Tás a ver? É Conhé de Pombo!" - Esclarece o mangas, perante o ar de curiosidade ou incredulidade do amigo Jorge. – “Queres uma pedra?”
O passeante resolve sair dali e dirigir-se até à beira-rio. Está farto da baixa. Ele Precisa de desanuviar o pensamento, espraiar a vista e respirar um pouco de ar mais limpo.

Talvez a brisa fresca que vem do mar, subindo o estuário do Tejo.

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